Prazo para discutir contrato é de dez anos decide STJ

O prazo de prescrição para discutir questões contratuais no Judiciário é de dez anos – contados a partir da data em que houve o descumprimento – e não de três, como decidia parte dos juízes. O entendimento é da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que uniformiza as discussões das turmas de direito privado (3ª e 4ª).

Esse é um assunto que tem impacto sobre praticamente todas as discussões contratuais que estão em juízo. Se a parte reclamante entrar com a ação três anos depois do desentendimento, afirmam advogados, a reclamada tentará derrubar o processo com o argumento do prazo prescricional.

Foi o que aconteceu no caso analisado pela 2ª Seção do STJ (embargos de divergência nº 1.280.825). Envolve o Clube de Investimentos dos Empregados da Vale (Investvale).

Aposentados e pensionistas da mineradora, que compravam e vendiam ações por meio do clube, ajuizaram ação alegando que o administrador teria omitido informações necessárias à operação e, por esse motivo, venderam papéis em valor menor que o de mercado. Eles buscavam, na Justiça, o correspondente à diferença dos preços.

Como alegavam violação ao que consta no estatuto do clube, entendeu-se que a discussão tratava de inadimplemento contratual. O Investvale, então, argumentou na Justiça que, mesmo se fosse legítima, a pretensão dos aposentados não poderia ser levada adiante porque já estava prescrita – em razão de o prazo de três anos já ter se esgotado.

Existe divergência em relação ao prazo porque o Código Civil de 2002 não é expresso em relação ao que deve ser adotado. O artigo 205 estabelece que a prescrição ocorre em dez anos quando não houver lei determinando prazo menor. Já no 206, parágrafo 3º, inciso 5º, consta que devem ser considerados três anos para a pretensão da reparação civil.

Havia, até então, argumentos para ambos os prazos. Para o maior, de dez anos, juízes adotaram, em decisões, o entendimento de que a previsão do artigo 206 não atingiria as questões contratuais, somente as extracontratuais. Por exemplo, um pedido de reparação de danos em razão de um acidente de trânsito. Ou seja, situações que não haviam sido previamente definidas.

Já nas decisões em que se aplicou o prazo de três anos, a explicação era de que não existiria diferença entre responsabilidade civil contratual e responsabilidade civil extracontratual. Além disso, o código de 2002 teria reduzido praticamente todos os prazos prescricionais previstos pela lei antiga, de 1916, e seria mais coerente interpretar que isso também ocorreu para as questões contratuais.

Alguns julgados até compararam os prazos estabelecidos para outras situações. O consumidor, por exemplo, que é uma parte hipossuficiente, tem cinco anos para cobrar na Justiça. Como poderia, então, duas empresas que têm conhecimento do que estão assinando ter o dobro de tempo? As companhias, por essa lógica, teriam condições de ajuizar ação em muito menos tempo.

Essas discussão ficaram mais acirradas depois de 2016, dizem os advogados Bruno Panarella e Paulo Macedo, do escritório L.O. Batista. Eles recordam que havia jurisprudência firmada, até essa época, pelo prazo de dez anos.

Um julgamento na 3ª Turma do STJ, no entanto, mudou o entendimento e aplicou a prescrição de três anos. A partir daí praticamente todas as outras ações foram julgadas da mesma forma. Mas na 4º Turma permanecia a autorização para o prazo maior, de dez anos.

“Depois disso ninguém mais conseguia dar uma resposta segura ao seu cliente sobre o prazo”, afirma Macedo. “E para o empresário isso era um risco. Podem ocorrer desentendimentos durante o contrato e ele precisa saber se vai poder continuar com o trabalho e depois discutir ou se ele vai ter que investir numa disputa judicial no meio do contrato”, acrescenta.

Para tentar colocar um ponto final na polêmica, a relatora do caso julgado pela 2ª Seção do STJ, ministra Nancy Andrighi, analisou o emprego do termo reparação civil nos demais dispositivos do código de 2002. Ela concluiu – e embasa o seu voto com essa explicação – que todas as vezes em que ele aparece está associado exclusivamente às regras que dizem respeito a questões extracontratuais.

A ministra chama atenção ainda que não faria sentido existir um prazo para que o credor, num caso de inadimplemento contratual, possa exigir o que havia sido acordado e outro para pleitear, por exemplo, eventuais perdas e danos. “Por observância à lógica e à coerência, portanto, o mesmo prazo de dez anos deve ser aplicado a todas as pretensões do credor”, afirma no voto.

A maioria dos ministros acompanhou o entendimento da relatora – a única, aliás, entre os que atuam na 3ª Turma e compõe a 2ª Seção que se manifestou de forma favorável aos dez anos. O placar do julgamento ficou em cinco votos pelo prazo maior contra três votos pela aplicação dos três anos.

O Investvale ingressou com embargos de declaração contra a decisão. Os advogados que o representaram no caso foram procurados pelo Valor, mas preferiram não se manifestar.

Fonte: AASP – 23/08/2018